sexta-feira, 1 de junho de 2012

CASA MANUEL MAGALHÃES

Álvaro Siza
1967-1970


Características do contexto de intervenção e o modo como o projecto lhe responde:

A Casa Manuel Magalhães, de Álvaro Siza, situa-se na Avenida dos Combatentes, no Porto. A casa surgiu da vontade do Dr. Manuel Magalhães em construir uma moradia para arrendamento. Na Avenida dos Combatentes predominam as moradias palacianas dos burgueses, construídas entre o início do século XX e o pós-guerra, que constituíam o ideal que representava a suburbanidade dessa classe social.[1]
Álvaro Siza explica que, nas moradias burguesas, as janelas e varandas viradas para a rua eram exclusivamente utilizadas em alturas de procissões religiosas, daí a classe burguesa não entrar em contacto frequente com o exterior e preferir a comodidade do lar, na intimidade da família.[2]
O alçado frontal sem aberturas para o exterior e construído em betão, contradiz o processo de construção habitacional das casas burguesas. No entanto, enquadra-se no contexto das mesmas, na medida em que o contacto com a rua é nulo.
“Esta casa de Oporto refleja esta característica fundamental de la vida burguesa que quiere mantener la intimidad de la família. ”
Nesse sentido, a Casa Manuel Magalhães vem de encontro à tradição burguesa da cidade, através da familiaridade e privacidade presente no seu interior, produto do cuidado de Álvaro Siza em retratar os costumes do local em questão.
Esta obra de Siza está implantada numa parte do lote da casa adjacente e organiza-se formalmente através de ortogonalidades que criam espaços reservados, conferindo privacidade à casa. Siza explica que era muito dispendioso a construcção de outros pisos, que permitiria o estabelecimento de diferentes relações com o espaço urbano envolvente, e opta assim por desenhar a casa voltada para o jardim. A casa surge num contexto burguês como um bunker, mostrando uma opção de implantação particular.

[1]Ordem dos Arquitectos (2001), Guia de arquitectura moderna, Porto, Editora Civilização
[2]Entrevista a Álvaro Siza, Porto, 8 de Setembro de 1977, publicada em AMC, 44,  1978

 
Lógica funcional e espacial da planta que melhor representa o projecto:

A configuração da casa, estreita e recortada, resulta da escolha de uma área do terreno do jardim da casa adjacente, sendo que são salvaguardados três metros ao perímetro do lote.
Numa planta inicial, encontramos uma proposta que define um volume curvo no alçado principal, relacionando-se com a bay-window da casa adjacente. Porém, ao longo do desenvolvimento do projecto, esta forma semi-circular deixa de existir. Permanece, no entanto, um detalhe construtivo no portão metálico. “Tudo o que não é essencial desaparece, mas mesmo isso acaba por deixar sinais(...)”.  [3]
Esta é uma habitação que renuncia, à partida, toda a sua função social, com o intento de proporcionar uma maior intimidade familiar. Encontramos, portanto, na entrada, uma parede de betão. “É como se a parede e o portão estendessem a mão para assegurar a calma e a continuidade, ainda que invisível, da própria rua”[4] . Esta relação, existente entre a parede de betão e o portão encerra aquilo a que podemos chamar de “retórica peculiar”[5] . O painel metálico, que se encontra apoiado em micro-pilares contrasta com a forte massa existente à sua retaguarda.
É também um painel de metal que nos conduz até à entrada da residência. Uma espécie de um pátio, antes de entrarmos na casa, surge, mais uma vez, a favor da intimidade familiar.
 A disposição dos volumes, o da vivenda e o da garagem, produz dois espaços exteriores bem definidos: um na parte de trás da casa e outro voltado para a rua. Contrariando a ortogonalidade da casa, a existência de uma supressão angular no terreno conforma um lugar de jardim diferente do restante, dotando-o de uma riqueza topológica. Esta vontade de criar situações espaciais diferentes reflecte-se também no corte a seguir.

 

[3]GREGOTTI, Vittorio, A sense of reality: The father of a new minimalism, in A&V:40, Março 1993, p. 116
[4]BEAUDOUIN, Laurent,  In praise of measure, The trajectory of Álvaro Siza, in A&V:40, Março 1993, p. 114
[5]BARATA, Paulo M., Álvaro Siza, Lisboa, Editorial Blau, Lda., 1997



Lógica funcional e espacial do corte que melhor representa o projecto:

Toda a casa se abre para o interior do lote. A articulação de espaços interiores é feita através de percursos que são marcados por ritmos, desvios e subdivisões que dividem os mesmos. Por exemplo, a utilização de tabiques de vidro (Ilustração 3).
Os vazios de maior dimensão são os da cozinha e sala de estar. A casa dispõe de três quartos, sendo um de serviço. Este é iluminado zenitalmente para evitar ao máximo a perturbação da fachada de entrada.
É-nos possível aceder à cobertura da casa através de uma escada exterior adjacente à garagem.
Como podemos observar no corte (Ilustração 2), as alturas da casa variam entre um mínimo de dois metros e um máximo de dois metros e noventa centímetros. A altura é rebaixada para chamar à atenção de um espaço que não é óbvio, mas trabalhado e que deve ser apreendido nas suas mais diversas variações. Desse modo, a casa demonstra um trabalho minucioso em relação aos pormenores, em particular à escala, que ao ser reduzida pontualmente, leva-nos a um diferente entendimento dos espaços.


Aspectos do projecto mais próximos dos modelos canónicos do movimento moderno:

Face à intenção do arquitecto em construir uma casa tão desligada da envolvente é compreensível a sua escolha de materiais. O beton brut, o cobre, o tijolo e o cimento são materiais industriais, e a opção de Siza em não os trabalhar, deixando à vista a sua rudeza, são um exemplo do modernismo nesta obra. A cobertura é plana, um sinal do uso das novas técnicas de engenharia, e é acessível por umas escadas exteriores junto à garagem. A arquitectura vernacular é substituída pela ortogonalidade e introspecção das formas regulares, onde todo o conjunto de geometrias e volumes encaminham-nos para uma obra de arquitectura moderna de linguagem racionalista onde é notável o conceito de “domesticidade”. Tendo em conta que a ideia de arquitectura moderna traz consigo dúvidas acerca da possibilidade da presença de tal conceito, Álvaro Siza consegue responder de uma maneira bastante pragmática a estas inquietações.


Aspectos do projecto mais distantes dos modelos canónicos do movimento moderno:

Por outro lado, as paredes espessas feitas de betão ou cimento, as janelas que surgem como interrupções das paredes nos cunhais da casa; a planta e a fachada rígidas, que não permitem uma construcção mais livre, são sinónimos do classicismo. A não existência de pilares estruturais e o facto de as fundações serem de cimento ou betão não deixa muito espaço para a liberdade arquitectónica na estrutura.
Siza começa gradualmente a afastar-se da forma estrutural - Werkform[6] . O sistema de tectos baixa o pé direito, escondendo a caixilharia das janelas. Existe a tentativa de alienar os elementos estruturais com móveis - estantes, armários - desenhados pelo arquitecto como mobiliário fixo da casa (Ilustrações 4 e 5), algo que Adolf Loos em "Um Pobre Homem Rico" vivamente critica. Esta clara intenção de "esconder" a estrutura da casa é uma opção curiosa, tendo em conta as tendências modernistas demonstradas em tantas outras escolhas. No entanto, esta escolha de trabalhar a casa em detalhe proporciona a interligação dos vários espaços. Os rodapés, os revestimentos verticais em locais de passagem, a continuação que acontece por vezes do batente das portas de modo a servir como apoio para pequenos objectos, ou para pendurar quadros cria uma sensação de continuidade espacial. Esta casa tão parecida a um bunker no exterior toma uma nova dimensão no seu interior, proporcionando uma grande qualidade de vida aos seus moradores.
A casa Manuel Magalhães é considerada um ponto de viragem na obra de Álvaro Siza. 

[6]BARATA, Paulo M., Álvaro Siza, Lisboa, Editorial Blau, Lda., 1997


Bibliografia Consultada:

Ordem dos Arquitectos (2001), Guia de arquitectura moderna, Porto, Editora Civilização
BARATA, Paulo M., Álvaro Siza, Lisboa, Editorial Blau, Lda., 1997
CIANCHETTA, Alessandro, MOLTENI, Enrico, Álvaro Siza, Casas 1954-2004
Álvaro Siza, 1954 – 1976, Editora Blau, Lda, lisboa, 1997
FRAMPTON, Kenneth, Álvaro Siza, obra completa, Editora Gustavo Gili, SA
Álvaro Siza 1954 – 1988, Editora a+u, Tóquio, 1989
Electa/ The Architectural Press, Álvaro Siza
GREGOTTI, Vittorio, A sense of reality: The father of a new minimalism, in A&V: 40, Março 1993, p.116
BEAUDOUIN, Laurent,  In praise of measure, The trajectory of Álvaro Siza, in A&V:40, Março 1993, p. 114
Entrevista a Álvaro Siza, Porto, 8 de Setembro de 1977, publicada em AMC, 44,  1978

Ilustrações 1-5
BARATA, Paulo M., Álvaro Siza, Lisboa, Editorial Blau, Lda., 1997